
hoje os ursos não dançam. é terrível, eu sei. acordar ainda ser de noite e todos os bichos hibernarem dentro das passas. um beijo causar um sopro de lepra ou a traição das células benignas. antecipar o frio de janeiro na barriga das mães e o peso dos fetos mortos em fevereiro. guardar a placenta da manhã dentro de um frasco oxigenado e ser paciente. apertar o cinto não vá portugal cair ao mar e milagre! transformar-se num barco ainda mais imóvel. em março prevê-se um aumento da tensão mamária no segundo andar de todos os edifícios. e não há portas giratórias nem frutos que resistam secos à tortura dos homens. o coelho de abril é um pirata de chumbo armado de boas intenções. vem camuflado no interior de um ovo de onde nascem as andorinhas. as flores de maio são de uma espécie nobre que seduz as abelhas. em junho dá-se a ejaculação do pólen e reforça-se a confiança dos portugueses com azeite virgem. antes do verão já há fogos e milhares de hectares de tragédia. hoje os ursos não dançam. é inverno e julho arde no horizonte. dai-me senhor um mar de agosto e um par de luvas que se converta em pombas. deixai os velhos morrer de branco e as crianças irem para a escola em setembro. impede as mulheres de casar em outubro e manda-as vir ter comigo se reclamarem. seca a chuva de novembro em cada lágrima e inventa outro natal menos careca. agora tenho de ir tentar ser feliz. adeus.
(fotografia de fernando figueiredo)