2006-12-18

geometria descritiva



Não te equivocaste de facto
por uma mera ilusão ocular
descansa não foste atraiçoada
pois era eu mesmo trajando fato
um ponto na multidão tentacular
anónimo espectador desse concerto
que de modo indelével me marcou
em fim de dia ainda tão hodierno
e o trajar de facto a pedir conserto
mas não deixo por tal de ser (e sou)
de fato ou casual(mente)... terno.




de facto
estavas de fato
assentava-te bem
apesar das rugas de expressão
nas bainhas das calças
e eu hesitei em admitir-te tão nu
demorei a perbeber a roupa dos teus afectos
e nesse dia perdi a ternura
de todos os outros dias
em que não usavas gravata
e não há segundas oportunidades
para as primeiras impressões


alice


*

decidi recuperar este post do meu amigo alberto, publicado no blog dele no início de março, que é para mim um exemplo da sadia interacção entre bloggers, e que deu o mote para o tipo de comentários que desde então ele publica neste espaço, o que sempre me deu enormes alegrias. de entre os inúmeros inéditos que o alberto acrescentou aos meus posts, escolhi os poemas que ele aqui escreveu, e decidi partilhá-los com todos os leitores, como forma de agradecer a presença querida de uma pessoa que só fez coisas bonitas desde que nos encontramos. muito obrigada por todas as tuas palavras e os melhores votos natalícios desta tua admiradora.

*


de ti nunca esquecerei
a música que ao ouvido não me tocaste
as promessas que nunca te farei
o amo-te que não pronunciaste
que o destino nos foi sempre adverso
e o farol a nós não iluminou
tivemos a má sorte de ser o inverso
da luz que aos outros indicou


*


o teu colo
é o meu leito
a ele me colo
em ti me deito
o teu colo
é o meu castelo
o meu refúgio
minha muralha
sobre ele
meu coração trabalha
não há subterfúgio
no teu colo
respiro tenso-intenso
e quero imenso
o teu colo


*


bebo-te sem tento
mágico poema d´água
que no meu corpo sedento
não fique uma gota de mágoa
por não te ter ingerido
gole-a-gole, em alegria plena
bebo-te ávido e sem sentido
até que o meu sangue seja poema


*


(quadro de amadeu souza cardoso)

16 comentários:

Joaquim Amândio Santos disse...

"
vês meu palato?
Observas como dele escorre a minha saliva, adocicada pelo belo pecado da ânsia.

quero-te verde.
assim me saceias na seiva
da esperança.
"

JAS, 2006

Anónimo disse...

Salva ao autor.
Sorriso à Alice, "mãe" de palavras e de sentimentos.

isabel mendes ferreira disse...

sempre chumbei a geometria....:((((
______________________



mas esta é em "arco suspenso"

ogival.


rendilhado.




beijos. aos dois.

Anónimo disse...

tlebs

"Esta terminologia fala de morfologia e sintaxe, mas da semântica só conhece a das palavras (não há semântica das frases?). Fala de substantivos :e adjectivos, mas acrescenta: "As palavras que participam da natureza substantiva ou adjectiva recebem a designação de nome, o que permite uma relacionação com "flexão nominal", "predicado nominal", etc." Os substantivos têm classificação, têm género, número, grau e ainda podem entrar em locuções. Os advérbios podem ter 15 classificações. A fonética sintáctica tem próclise, ênclise, crase intervocabular, elisão, ligação consonântica, haplologia intervocabular, entoação e ritmo, os complementos circunstanciais podem ser de nove tipos diferentes, entre eles o de instrumento (por exemplo, "cortei com a faca"). Já não se lembravam que era assim que se aprendia? Não sabiam que estes termos complicados faziam parte da terminologia que se quer actualizar? Até o epiceno faz parte da infância de muitos dos que gritam e prevêem as maiores desgraças para o país inteiro com a nova terminologia. Felizmente, muitas coisas mudaram desde então. Os escritores não gostam do modificador, do anafórico, do agentivo? Mas gostam com certeza da aférese, da síncope e apócope ou de prótese, da epêntese e da paragoge, ou de crase, da sinérese e da diérese que estão na Nomenclatura de 67. E não gostam do ataque ou da coda da sílaba? Lamento, mas não perceberão nada de qualquer livro que aborde a prosódia das línguas."

Anónimo disse...

dicionário:

terminologia: tratado dos termos técnicos de uma arte ou ciência;
conjunto desses termos;emprego de palavras peculiares a um escritor;
nomenclatura.

linguística: estudo das línguas, nas suas relações e nos seus princípios, leis fonéticas e semânticas, morfologia, raízes; estudo histórico e comparativo das línguas; filologia; glotologia.

filologia: amor às letras;
conjunto de conhecimentos necessários para interpretar e conhecer um texto, que antigamente se ocupava em fixar e comentar os textos literários procurando extrair regras de uso linguístico e que, modernamente, estuda a língua, a literatura e todos os fenómenos culturais de um povo por meio dos seus textos escritos, distinguindo-se, no entanto, da linguística, na medida em que esta centra o seu interesse na língua, e aquela nos textos.

glossologia: língua + lógos, tratado; estudo das afecções da língua; glótica; estudo científico das línguas.

morfologia: parte da Gramática que se ocupa da forma e transformação das palavras.

sintaxe: parte da estrutura gramatical de uma língua que contém as regras relativas à combinação das palavras em unidades maiores e as relações existentes entre as palavras dentro dessas unidades; parte da gramática que estuda estas relações.


semântica: estudo da linguagem humana do ponto de vista do significado das palavras e dos enunciados; semasiologia; sematologia; na linguística moderna é a disciplina que estuda as palavras e os enunciados como sendo objectos abstractos com um conjunto de propriedades e entre os quais se estabelecem relações que se definem nos termos predicação, tempo, aspecto, modalidade, valores de verdade, etc.

fonética: ciência relativa à voz;
estudo dos sons e das articulações próprias de uma língua.

próclise: emprego de palavra proclítica; deslocação de acento de uma partícula para a palavra seguinte, formando com ela um todo fonético.

ênclise: posição de palavra enclítica; subordinação de uma palavra átona ou partícula ao acento tónico de outra palavra.

crase: mistura; contracção de sílabas ou vogais numa só.

elisão: acto ou efeito de elidir;
supressão; supressão de uma vogal por sinalefa ou outra figura.

haplologia: redução, na mesma palavra, de duas sílabas iguais ou semelhantes e contíguas, a uma sílaba só (por ex. , saudoso por saudadoso).

anáfora: repetição sistemática da mesma palavra no princípio de diferentes frases ou de membros da mesma frase.

aférese: acção de tirar; supressão de fonemas ou letras no princípio da palavra.

síncope: corte; supressão da letra ou sílaba no meio da palavra.

apócope: amputação; supressão de letra ou sílaba no fim de palavra.

prótese: aumento de letra ou letras no princípio de uma palavra.

epêntese: inserção de um fonema ou sílaba no interior de uma palavra que se verifica no processo evolutivo da língua ou em corruptelas.

paragoge: adição, no fim de uma palavra, de um elemento (fonema ou sílaba).

sinérese: contracção; contracção de duas vogais de sílabas diferentes numa só, no interior de uma palavra, soando como ditongo.

ditongo: dois sons; reunião de duas vogais que se pronunciam numa só emissão de voz e pertencem à mesma sílaba.

diérese: divisão do ditongo em duas sílabas; sinal dessa divisão;

prosódia: parte da gramática que trata da pronúncia das palavras;
conjunto de regras sobre a quantidade das vogais nos versos.

MOLOI LORASAI disse...

onde é que nós estamos?

Anónimo disse...

" Ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa por falta de técnica, mas por falta de outra coisa que se chama temperamento."

Carta de Amadeo de Souza-Cardoso a seu tio Francisco
(c.1910-1911)

Anónimo disse...

Nós, rapazitos, passávamos, uns aos outros a tradição deste saboroso petisco, que não sei de onde veio. Íamos aos nossos dicionários e encontrávamos lá todas as estupendas palavras de que ele se cozinhou. Mas não ficávamos por isso muito mais adiantados a respeito da sua beleza e significação.
Ora isto é mais sério do que parece, porque a idade a que cheguei já me permitiu ver que um ou outro literato e político tem feito muito boa carreira, a dizer ou escrever coisas que não se entendem muito melhor do que aquilo. E a mim parece-me que para a nossa política e toda a nossa vida social entrarem no equilíbrio, na ordem, no sentido das proporções e no próprio senso-comum, não deve ser indiferente que a literatura lhes dê sempre este mesmo e tão saudável exemplo.
Quem pensa claro, fala claro. Quem sente nobremente expõe a sua alma em termos simples. Quem é sincero execra a pompa no dizer, máscara de vaidade, pretensão e hipocrisia. Quem não pretende ou não precisa de meter os pés pelas mãos ou as próprias mãos nas algibeiras dos outros não transforma a palavra num feitiço misterioso e difícil, isca de ignorantes e ingénuos, inclinados a achar poderes sobrenaturais naquilo que não entendem.
E eis aqui uma grave dificuldade, uma contradição e quase um paradoxo: para sentir o valor da palavra simples e ao mesmo tempo artística, é necessário ser-se complicado, quer dizer: educado no gosto; culto de verdadeira beleza literária; fino de preferências e agrados. Na mesma loja de modas onde uma mulher distinta escolhe estofos e guarnições sóbrias de cores, pode entrar a seguir qualquer senhoreca dinheirosa, para se enfeitar como uma arara. E a literatura de um país provinciano ( inculto e pouco lido) arrisca-se a ser uma loja de modas a ser um maior sortido para catatuas, que para fidalgas.
... amemos e louvemos os nossos poetas e prosadores que falem claro, e claro se exprimem numa linguagem ordenada e cristalina. Muitos deles vivem ainda connosco, e são dos melhores que jamais tivemos. Melhores pelo talento, e melhores pelo ideal de servirem (…) a arte. Façamos por compreender a sciência da composição e amplitude das escalas que se oculta na harmonia sóbria das suas vozes. E ajudemo-los, e sigamo-los no seu empenho… estimulados pela nossa participação e pelo nosso aplauso, eles continuarão, e progredirão ainda, se é possível, tornando-se cada vez mais objectivos, mais humanos; e já que falam uma bela língua que o povo pode compreender, procurarão aproveitá-la para contar ao povo histórias que ele compreenda, como bons irmãos seus que se sabem mais sábios, mas não querem fazer da sua sciência título de estéril orgulho e pergaminho de aristocracia desdenhosa , sequestrada do ambiente mais largo.
Bastante egoísta se tem mostrado no decurso dos séculos a nossa literatura, sobretudo a poética, confinada quasi sempre no lirismo amoroso, que é uma forma de egoísmo, sensual ou lamuriento. Com uma prosa esotérica, difícil, complicada a acrescentar-se a uma poesia egocêntrica e indiferente ao mundo que a rodeia, cada vez mais os homens se afastariam do povo, da multidão das almas (...)
Pensem os nossos melhores escritores nesse povo, que afinal pouco perderá com não saber ler, se o escol literário lhe não fornecer nada que ele leia. (…) "


Agostinho de Campos ( sócio correspondente da Academia das Sciências de Lisboa)

In “ as três prosas: A pobre, A rica, A nova rica.
Edição Livrarias AilLaud e Bertrand - 1923

Anónimo disse...

PREPARAÇÃO PARA A MORTE


A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é um milagre.
Tudo, menos a morte.
-Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.


Manuel Bandeira

Anónimo disse...

" O abandono. O vazio. A indiferença. Tudo está feito, o que tinhas a dizer já o disseste, os que dialogavam contigo para estarem de acordo ou te insultarem foram recolhendo ao silêncio definitivo. É a hora de te ires calando também, recolheres à aposentação de falares e de ouvires. Porque nenhuma palavra é já para ti e assim nenhuma é tua para os outros. Mas a tua língua move-se ainda, entre ela e a palavra, mesmo que seja só um nome, há uma ligação que nada pode cortar. Fala para dentro. Chama para dentro. E poderás circular entre os homens sem que te metam num manicómio."

Vergílio Ferreira
in " Escrever"

Anónimo disse...

"Agora corrompo-me o mais possível. Por quê? Quero ser poeta e trabalho para me fazer vidente: você não está a perceber nada e eu também não lhe sei explicar. Trata-se de chegar ao desconhecido pela desordem de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é preciso ser-se forte, ter nascido poeta, e eu reconheci-me poeta. A culpa não é minha de maneira nenhuma. É errado dizer: Eu penso. Deve dizer-se: Eu sou pensado. Desculpe o jogo das palavras.
Eu é outro. Tanto pior para a madeira que se descobre violino, e que se danem os inconscientes, que discutem sobre coisas que ignoram por completo!"

Arthur Rimbaud
correspondência, a Georges Izambard, Charleville, Maio de 1871 ( excerto)
in ABCedário do Surrealismo
edição de " O público"

Anónimo disse...

Clarice Lispector
Ucrânia 1920, Brasil 1977


"Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguajem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisto de uma frase. Eu gosto de manejá-la - como gosto de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes para nos dar para sempre uma herança de língua já feita.
Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida. "

Anónimo disse...

"No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.
As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul-
Que nem uma criança que você olha de ave."


(..............)


"Minha relação com as palavras é orgástica. Escrevo porque preciso ter relações com elas para viver em paz. Depois que uso uma palavra nova, ela me beija. Quer dizer que gostou de mim. Eu sou de bem com as palavras que uso por que elas me são"


Manoel de Barros

Anónimo disse...

só é meu
o país que trago dentro da alma.
entro nele sem passaporte
como em minha casa.
ele vê a minha tristeza
e a minha solidão.
me acalanta.
me cobre com uma pedra perfumada.
dentro de mim florescem jardins.
minhas flores são inventadas.
as ruas me pertencem
mas não há casas nas ruas.
as casas foram destruídas desde a minha infância.
os seus habitantes vagueiam no espaço
à procura de um lar.
instalam-se em minha alma.
eis por que sorrio
quando mal brilha o meu sol.
ou choro como uma chuva leve
na noite.
houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
houve tempo em que essas duas caras
se cobriam de um orvalho amoroso.
se fundiam como o perfume de uma rosa.
hoje em dia me parece
que até quando recuo
estou avançando
para uma alta portada
atrás da qual se estendem altas muralhas
onde dormem trovões extintos
e relâmpagos partidos.
só é meu
o mundo que trago dentro da alma.

Marc Chagall*

(tradução: manuel bandeira)

*Marc Chagall nasceu em 1887 na Rússia Czarista. Filho mais velho de uma família pobre, educou-se em um ambiente de perseguição aos judeus. Em 1910, mudou-se para Paris, onde viveu até 1914 e onde teve contato com as sucessivas vanguardas do mundo das artes plásticas.Inicialmente aceito pelo regime soviético, em 1922 afastou-se dele e regressou para a França. Durante a Segunda Guerra Mundial viveu nos Estados Unidos. Múltiplo artista, cultivou, além da pintura, a cenografia, os vitrais, os mosaicos, etc. O seu mundo pictórico desligou-se em certo modo das vanguardas e tornou-se profundamente pessoal, contendo elementos cubistas e surrealistas, assim como símbolos judaicos e russos. O caráter onírico, a variedade cromática, um aparente infantilismo e a facilidade decorativa repetem-se incessantemente na sua pintura. Reconhecido como um dos principais pintores do século XX, Marc Chagall morreu em 1985, na França.

Anónimo disse...

"Ainda que a propriedade, bem entendida, se não deva nunca transgredir, quer empregando palavras com sentidos que naturalmente lhes não competem, quer usando de modos de dizer que não são próprios da língua, ainda assim, há que reparar que é legítimo violar as mais elementares regras da gramática - no estilo expositivo ou no artístico- se com isso ou a ideia ganha clareza ou firmeza, ou à frase se enriquece o seu conteúdo de sugestão. Se determinado efeito, lógico ou artístico, mais fortemente se obtém do emprego de um substantivo masculino apenso a substantivo feminino, não deve o autor hesitar em fazê-lo.
....
A linguagem fez-se para que nos sirvamos dela, não para que a sirvamos a ela."


Fernando Pessoa
in "A Língua Portuguesa"
pag, 72, 73
edição Assírio & Alvim

Melga do Porto disse...

Bebo sem tento...
Escrever mais do que este "sentir" seria violar tudo o que li!
Bj´s