2006-12-20

eu no "lugar aos outros"




agradeço ao luís gaspar do estúdio raposa por ter declamado online a minha poesia. muito obrigada. bem haja.


*

(fotografia de leolima)

4 comentários:

Anónimo disse...

Fernando Echevarría é reconhecido entre os críticos diplomados ,como sendo um poeta particular entre os demais poetas; não só por a sua poesia tratar temas de índole espiritual, mas também por tratá-los à margem de qualquer influência da época. Isto é Fernando Echevarría não se distanciou muito dos poetas seu tempo mas tratou os temas da sua época à sua maneira, de uma forma muito invulgar; quer no que diz respeito à morte, quer no que diz respeito ao amor.


O Amor e a Morte:


Entras como um punhal
até à minha vida .
rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instalas-tenas minas
Dinamita e devora.
porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um Beijo ou a morte.
Anda. Avança.
deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes ...
Isso, sim
Não te amedrontes.
atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.


Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
De que te ausentes.

Mar e monte teus beijos, meu Amor!...

Neste poema o poeta sabe-se, ferido por amar, ferido com a amada e triste, por ainda assim não poder possuí-la.
A amada entra como um punhal que o fere ate à alma, fá-lo chorar , mas este não consegue deixar de ama-la , tornando-se num monstro de lágrimas que a adora. Este poeta não vive de esperança, mas de concretizações físicas. Amor e morte são um misto de sensações, é como se o poeta sentisse que sem amor a vida não existe. A espera dói-lhe no íntimo do seu ser, por isso apela à amada que não o faça sofrer, pois só a ideia de a ver ausente, o magoa, no profundo do seu íntimo.
Assim, tudo o que o poeta quer sentir é os lábios da sua amada, para ter a certeza que a possui integralmente.
Será este um poema de amor?
Esta é uma questão que nos podemos colocar, sabendo que quando falamos de amor, não se espera uma consumação física, mas uma realização psicológica e, o que vemos neste poema é precisamente o contrário.
Fica ao critério do leitor considera-lo ou não um poema de amor.
Mas, uma coisa é certa, fala-se de paixão e da morte pela sua ausência, da triste vida de um enamorado e da necessidade de ser correspondido...
Fica assim provada a peculiaridade do poeta através de um poema que reúne em si as características do amor e da morte fundidas e confundidas notavelmente.

Anónimo disse...

Sendo Herberto Helder um dos maiores poetas europeus contemporâneos, a força motriz da sua obra reside na inquietude da vigilância, na vontade de revisitação e de questionamento incessante do seu acto poético. A sua poesia caracteriza-se por ser viva e irrequieta, transbordando os limites daquilo que enuncia, extravasando-se para além do seu contexto histórico-social e inaugurando novas zonas de exploração que lhe concedem a designação de «poética de vanguarda.

Na poesia de Herberto Helder podemos distinguir três fases: a primeira é a da «ironia mansa», onde se pode observar um desajuste entre expressão e problema, desajuste esse que ajuda a desaprender para posteriormente se aprender uma outra coisa. Esta é uma fase de confusão, onde o surrealismo e o anarquismo se entrelaçam; a segunda é a corespondente à sua obra Electronicolírica, sendo que nesta fase se observa a combinação de um número limitado de expressões e palavras mestras, criando uma linguagem encantatória, ou seja, uma espécie de fórmula virtual mágica. Na segunda fase podemos encontrar uma forte identificação com William Blake e Nietzsche; por fim, surge a terceira fase, a dos «projectos da sensível inteligência do que nos vai acontecer», onde o poeta descobre os vários graus de liberdade da sua poética, sendo esta uma fase ligada ao signo da crença.

Os temas principais da obra de Herberto Helder, - vida, morte, erotismo, poesia, conhecimento e visão mágica do mundo, determinam, muito fortemente, o encanto sentido pela imaginação e sensibilidade do leitor. A tendência fundamental do poeta é para a identificação sistemática de quaisquer objectos, sendo assim impossível desenvolver os assuntos em compartimentos distintos e rígidos o que torna obrigatória uma interrelação. Herberto Helder utiliza também palavras quotidianas, como sal, camisa, entre outras, que ocupam uma presença familiar nos seus textos, estabelecendo as áreas lexicais privilegiadas pelo autor, fazendo do espaço verbal revelador do poder mágico desencadeado pelos objectos e derminando a imagem que o poeta tem de si e do lugar onde se movimenta. Pode também afirmar-se que a obra deste poeta reata e estabelece laços com a secreta verdade dos seres, através de uma linguagem obscura, a fim de exprimir o que de mais simples existe na sua existência. Os seus textos apresentam uma inspiração tumultuosa, de ordem carnavalesca, que dá origem à multiplicação dos sinais que o poeta deixa de si no poema.

Em relação ao tema do amor, podemos dizer que Herberto Helder não cai na tendência de narrar episódios sentimentais banais ou burgueses ou situações que acabem em desenlaces domésticos, o que faria do amor um simples estatuto. Na sua obra o amor é assumido enquanto acontecimento trágico, até mortal, associado muito frequentemente a tipos de violência. O amor, como relação sentimental entre pessoas só existe na obra de Herberto Helder enquanto metáfora, referindo-se a outra relação que, não sendo sentimental, é sempre erótica e vivida com paixão.»

O AMOR EM VISITA



Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra

e seu arbusto de sangue. Com ela

encantarei a noite.

Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.

Seus ombros beijarei, a pedra pequena

do sorriso de um momento.

Mulher quase incriada, mas com a gravidade

de dois seios, com o peso lúbrico e triste

da boca. Seus ombros beijarei.



Cantar? Longamente cantar.

Uma mulher com quem beber e morrer.

Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave

o atravessar trespassada por um grito marítimo

e o pão for invadido pelas ondas —

seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.

Ele — imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento

de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim

sobre um lençol mordido por flores com água.



Em cada mulher existe uma morte silenciosa.

E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,

os bordões da melodia,

a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,

desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.

— Oh cabra no vento e na urze, mulher nua sob

as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,

mulher de pés no branco, transportadora

da morte e da alegria.



Dai-me uma mulher tão nova como a resina

e o cheiro da terra.

Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,

cantarei seu sorriso ardendo,

suas mamas de pura substância,

a curva quente dos cabelos.

Beberei sua boca, para depois cantar a morte

e a alegria da morte.



Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro

pescoço de planta,

onde uma chama comece a florir o espírito.

À tona da sua face se moverão as águas,

dentro da sua face estará a pedra da noite.

— Então cantarei a exaltante alegria da morte.



Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela

despenhada de sua órbita viva.

— Porém, tu sempre me incendeias.

Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite

imagem pungente

com seu deus esmagado e ascendido.

— Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura

Entontece meu hálito com a sombra,

tua boca penetra a minha voz como a espada

se perde no arco.

E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua

estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo

se desfibra — invento para ti a música, a loucura

e o mar.



Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,

a inspiração.



E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.

Vou para ti com a beleza oculta,

o corpo iluminado pelas luzes longas.

Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos

transfiguram-se, tuas mãos descobrem

a sombra da minha face. Agarro tua cabeça

áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou

aquilo que se espera para as coisas, para o tempo —

eu sou a beleza.

Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem

teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada

beleza.



Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti

que me vem o fogo.

Não há gesto ou verdade onde não dormissem

tua noite e loucura,

não há vindima ou água

em que não estivesses pousando o silêncio criador.

Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos

originais.

Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra

a carne transcendente. E em ti

principiam o mar e o mundo.



Minha memória perde em sua espuma

o sinal e a vinha.

Plantas, bichos, águas cresceram como religião

sobre a vida — e eu nisso demorei

meu frágil instante. Porém

teu silêncio de fogo e leite repõe a força

maternal, e tudo circula entre teu sopro

e teu amor. As coisas nascem de ti

como as luas nascem dos campos fecundos,

os instantes começam da tua oferenda

como as guitarras tiram seu início da música nocturna.



Mais inocente que as arvores, mais vasta

que a pedra e a morte,

a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,

tinge a aurora pobre,

insiste de violência a imobilidade aquática.

E os astros quebram-se em luz sobre

as casas, a cidade arrebata-se,

os bichos erguem seus olhos dementes,

arde a madeira — para que tudo cante

pelo teu poder fechado.



Com minha face cheia de teu espanto e beleza,

eu sei quanto és o íntimo pudor

e a água inicial de outros sentidos.



Começa o tempo onde a mulher começa,

é sua carne que do minuto obscuro e morto

se devolve à luz.

Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as

pálpebras com uma imagem.

Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito

de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade

uma ideia de pedra e de brancura.

És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,

que te alimentas de desejos puros.

E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,

a sombra canta baixo.



Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,

onde a beleza que transportas como um peso árduo

se quebra em glória junto ao meu flanco

martirizado e vivo.

— Para consagração da noite erguerei um violino,

beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada

darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,

taça para beber junto à perturbada intimidade

em que me acolhes.



Começa o tempo na insuportável ternura

com que te adivinho, o tempo onde

a vária dor envolve o barro e a estrela, onde

o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida

ingénua e cara, o que pressente o coração

engasta seu contorno de lume ao longe.

Bom será o tempo, bom será o espírito,

boa será nossa carne presa e morosa.

— Começa o tempo onde se une a vida

à nossa vida breve.



Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, á urna

salina, imagem fechada em sua força e pungência.

E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado

em torno das violas, a morte que não beijo,

a erva incendiada que se derrama na íntima noite

— o que se perde de ti, minha voz o renova

num estilo de prata viva.



Quando o fruto empolga um instante a eternidade

inteira, eu estou no fruto como sol

e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada

matriz de sumo e vivo gosto.

— E as aves morrem para nós, os luminosos cálices

das nuvens florescem, a resina tinge

a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.

E estás em mim como a flor na ideia

e o livro no espaço triste.



Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento

na cevada pura, de ti viriam cheias

minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses

em minha espuma,

que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?

— No entanto és tu que te moverás na matéria

da minha boca, e serás uma árvore

dormindo e acordando onde existe o meu sangue.



Beijar teus olhos será morrer pela esperança.

Ver no aro de fogo de uma entrega

tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus

será criar-te para luz dos meus pulsos e instante

do meu perpétuo instante.

— Eu devo rasgar minha face

para que a tua face se encha de um minuto sobrenatural,

devo murmurar cada coisa do mundo

até que sejas o incêndio da minha voz.



As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso

jovem da carne aspiram longamente

a nossa vida. As sombras que rodeiam

o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto

seu bárbaro fulgor, o rosto divino

impresso no lodo, a casa morta, a montanha

inspirada, o mar, os centauros

do crepúsculo

— aspiram longamente a nossa vida.



Por isso é que estamos morrendo na boca

um do outro. Por isso é que

nos desfazemos no arco do verão, no pensamento

da brisa, no sorriso, no peixe,

no cubo, no linho,

no mosto aberto

— no amor mais terrível do que a vida.



Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz

o perfume da tua noite.

Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua

e branca das mulheres. Correm em mim o lacre

e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca

ao círculo de meu ardente pensamento.

Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam

sobre o teu sorriso imenso.

Em cada espasmo eu morrerei contigo.



E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente

das urzes, um silêncio, uma palavra;

traz da montanha um pássaro de resina, uma lua

vermelha.

Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,

casa de madeira do planalto,

rios imaginados,

espadas, danças, superstições, cânticos, coisas

maravilhosas da noite. Ó meu amor,

em cada espasmo eu morrerei contigo.



De meu recente coração a vida inteira sobe,

o povo renasce,

o tempo ganha a alma. Meu desejo devora

a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma

de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome

encanta pela noite equilibrada, imponderável —

em cada espasmo eu morrerei contigo.



E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se

entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro

da tua entrega. Bichos inclinam-se

para dentro do sono, levantam-se rosas respirando

contra o ar. Tua voz canta

o horto e a água — e eu caminho pelas ruas frias com

o lento desejo do teu corpo.

Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo

eu morrerei contigo.







Morte...


POEMAS DO ANTIGO EGIPTO



ODE DO DESESPERADO



A morte está agora diante de mim

como a saúde diante do inválido,

como abandonar um quarto após a doença.



A morte está agora diante de mim

como o odor da mirra,

como sentar-se sob uma tenda num dia de vento.



A morte está agora diante de mim

como o perfume do lótus,

como sentar-se à beira da embriaguez.



A morte está agora diante de mim

como o fim da chuva,

como o regresso de um homem

que um dia partiu para além-mar.



A morte está agora diante de mim

como o instante em que o céu se torna puro,

como o desejo de um homem de rever a pátria

depois de longos, longos anos de cativeiro.

Anónimo disse...

O sucesso que conhece agora Eugénio de Andrade não pode fazer esquecer que durante décadas ele foi um poeta de poucos leitores, como o seu alegado narcisismo não contraria o seu intenso sentimento do mundo, como a transparência e a sedução musical e imagística da sua poesia não nega, antes implica, um aturado trabalho artesanal.
De resto, a obra e a vida de Eugénio de Andrade sempre se quiseram claramente contra: contra a facilidade, a mecânica e a hipocrisia lá onde elas estivessem, na moral ou na ideologia, na política como na poética. Daí que nem o tenhamos visto enfeudado aos grupos da sua geração, neo-realista, "cadernista" ou surrealista. E daí que ele tenha crescido até contra os que mais amava, se, como Pessoa ou a sua mãe, ameaçavam tolher-lhe a fala livre e nova.
Em meio século de produção escassa, Eugénio de Andrade já legou à humanidade ritmos e imagens que actualizam, de forma fulgurante, as lições dos gregos: o homem é a medida de todas as coisas; o mundo é um jogo de luzes e sombras; a existência e a insistência no errante e no precário, com intervalos eufóricos. A tais lições haverá que acrescentar estoutra; viver não é necessário, o que é necessário é criar.
Como Pessoa e Sá-Carneiro, Eugénio de Andrade sempre viveu para a poesia (e não, como outros, da poesia). E se o ouvirmos repetir que nenhuma literatura vale uma noite de amor, é talvez porque ele quer identificar o amor e a literatura. E lendo-o, não podemos deixar de sentir o que sentimos ao ler Camões, ou os seus amados trovadores: que a sua poesia de amor exprime sempre o seu amor da poesia."

Arnaldo Saraiva


Nos poemas de Eugénio de Andrade nota-se uma sensibilidade poética muito forte bem como um sentimento amoroso mágico e indefinível.A leitura de alguns poemas impele-nos a acreditar que a figura feminina é retratada com a inspiração poética do poeta, capaz de lhe dar vida. Alguns poemas de toada triste abordam temas como a separação, a saudade e a dor de um rompimento... O amor é essencial à criação poética do escritor e um adeus Deixa entrever uma saudade profícua e até devastadora de um tempo que nunca mais voltará como no poema “Adeus”. Eugénio de Andrade é dos poetas contemporâneos que melhor canta o amor na nossa poesia, um amor que é essencial à criação poética!...







Poemas de Amor na sua poesia:



Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.




Madrigal

Tu já tinhas um nome, e eu não sei

se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.

Nos meus versos chamar-te-ei amor.



Frente a frente

Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!


A morte só acontece se não acontecer o amor que para o poeta se funde com a natureza... Abaixo transcrevo também um poema que o grande Eugénio de Andrade dedica A Forbela Espanca.



“ Que morte é a sombra deste retrato,onde eu assisto ao dobrar dos dias, orfão de ti e de uma aventura suspensa?”



Poemas onde se sente uma toada de Morte:



“Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes? “

(...)

“A morte
não é um segredo
não é em nós um jardim de areia.

De noite
no silêncio baço dos espelhos
um homem
pode trazer a morte pela mão.”



Na varanda de Florbela
Aqui cantaste nua.
Aqui bebeste a planicie, a lua,
e ao vento deste os olhos a beber.
Aqui abandonaste as mãos
a tudo o que não chega a acontecer.

Aqui vieram bailar as estações
e com elas tu bailaste.
Aqui mordeste os seios por abrir,
fechaste o corpo à sede das searas
e no lume de ti própria te queimaste.

Anónimo disse...

Minha cara,
Acabo de ler neste blogue um comentário de um "anónimo" sobre vários poetas entre os quais Herberto Helder.
Bem gostaria de o usar num dos meus programas!
Será possível chegar à fala com este "anónimo" para lhe solicitar autorização para usar as suas palavras?
Aguardo, esperançado, as suas notícias
Luís Gaspar
Estúdio Raposa