2006-08-18

prognóstico reservado



hoje de manhã, fui ao ginecologista
na verdade, já nos conhecemos há muitos anos, desde muito antes do mundo ter dado as voltas necessárias para que eu viesse a trabalhar no mesmo hospital que ele
como há muitos afectos entre nós, trato-o simplesmente por gi
vi-o agarrar uma caneca de café na sala comum e segui-o até ao gabinete
pelo canto do olho, piscou-me as perguntas do costume
eu, no meu habitual humor dramático, fui directa ao assunto:
- o meu corpo não pára de chover há três dias
ele riu-se, eu podia ter dito que não parava de morrer, ele ria-se sempre
pousou a caneca, arregaçou a manga e enfiou-me o punho até ao útero
já sei de cor os dedos dele a abrir-me enquanto fala do tempo lá fora
carrega o sobrolho e sei que desta vez foi mais do que um afogamento
- estás apaixonada, linda, é algum dos teus pacientes?
nesta pergunta vulgar entre colegas, afunda-se o abismo ético subjacente
- não, mas desconfio que é alguém aqui de dentro
ele hesita entre o colega de ortopedia e o cirurgião vasco
eu ri-me, ele podia ter dito que era o segurança, eu ria-me sempre
ele castigou-me os nós dos dedos com fricções nada meigas
virei as mãos para assar melhor do outro lado
- ele propôs um encontro do outro lado da rua, disse-lhe
o gi adora servir moral ao pequeno almoço:
- o teu marido é o meu melhor amigo, sou padrinho da vossa filha...
- ficou na intenção, garanti-lhe, inventei uma distância que não existe, uma profissão que não exerço, um carro que não conduzo, fotografias suspeitas e ele não veio
- promete-me que vais à dermatologista, pediu-me
- quando as primeiras esferas de água rebentaram na minha pele, a madalena estava de serviço e sugeriu apenas hormonas saltitantes
o meu bip apitou anunciando a próxima consulta
- tenho um desfuncionado eréctil à minha espera, disse-lhe
- caso resolvido, então, brincou, assim que pingares, ergue-te uma estátua
enquanto vestia a bata, desejei que a gíria clínica pudesse revelar-me o teu nome

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