2006-08-18

preâmbulo



A ponte que une a minha aldeia à tua cidade é um teclado avariado na clave de sol. Sempre que venho da horta do meu passado, detenho-me aqui, junto do pilar onde nos beijamos naquele primeiro dia do mês sem calendário. Ao longe, do outro lado da estrada entre dois braços, fica o cemitério dos comboios. Antes, vínhamos ambos a pé pela linha tracejada a contar as tábuas que nos faltavam para chegar. Tu rias-te muito alto até o eco levantar os pardais dos ramos da saudade. Eu urinava pelos pregos de ferro abaixo até colar pedras às cuecas. Agora, a mata cobriu o caminho do nosso amor sem palavras e violou os ninhos das asas por bater. A imagem que guardo deste lado da margem é a da viagem da separação. Já não sei há quantos anos o rio corre desafinado no verso sem refrão. Nunca te disse nada, mas se hoje vieres a minha casa, põe uma rosa no piano e toca-me baixinho. Amanhã quero apanhar uma nave com rumo ao teu coração.

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(fotografia de augusto peixoto)

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