2006-08-18

a quatro mãos



I

Sanamente mas propositadamente
Fiz aproximar a folhagem dos cabelos
Ébria numa estrutura simplificada e uniformizada
Ramificada em paciência ondulada
Pouco deitada…
Ainda que silenciosamente adivinhada
Silêncio…
Denso silêncio
As palavras parecem bastar
Neste momento de permanência…
reminiscência
Insolência
No puro acto de te soletrar
Os sentidos
Mil línguas nos teus ouvidos
Respirando-te o corpo liberto
Entendido no domínio completo
Profundo…
O fulgor alimenta entreaberto
Tudo o que é exacto e pouco certo
Não…
Não me peças para desenhar o sono

II

entre aspas chamei-te flor de espinho
desde a raíz das têmporas
à sílaba prodigiosa do meu leito
vieste insano e puro profaná-lo
numa diáspora informe e livre
prima da insónia moribunda
fevereiro foi o nome do desejo
ainda as nuvens encobriam
o meu corpo de brasa acetinado
o inverno sabe a pólvora crua
o tempo desceu pelo ano abaixo
foi carregando o ardor profeta
incendiando o mar de quimeras
sem perdoar o brilho da inocência
quando foi que me tocaste?
em que dia violaste o retrocesso?
que veneno me assombrou a memória?
qual o feitiço que rezaste?
não respondas
deixa-me adivinhar-te os gestos


*

(textos de miguel e alice, quadro de picasso)