2006-05-11

"o outro lado da vida é uma noite ao relento"



eram onze horas da noite
as labaredas rodeavam a escuridão
só haviam chamas a consumir poeira
e corvos a procurar os restos da terra
o mundo tinha acabado de terminar
a neve derretia as casas moribundas
o fogo comia as últimas crianças
o vento soprava clandestino nas ruas
e a cidade dormia a derradeira insónia

sara levantou-se quando ouviu a saudade
por instinto, levou a mão ao ventre e viu que estava grávida
repito que o mundo tinha acabado de começar
com uma única vida a gerar-se no útero de uma mulher
a seu tempo saberemos da paternidade
e dos nomes que confluem o passado e o futuro de hugo

*

escrito no dia 14 de Abril de 2006
primeira parte de "vidas vazias"
título da autoria de r. s.

(fotografia de robert farnham)

23 comentários:

lena disse...

"o mundo tinha acabado de começar"

acontece tantas vezes "ouvir" a saudade...


beijinhos para ti doce Alice

lena

Anónimo disse...

é sempre parecido com o morrer o exato momento de se gerar o viver. chamemos a grávida de sara, de eva ou de maria, a paternidade de alguma maneira haverá sempre de estar ligada a uma espécie de adão ou de josé. seja hugo, jesus ou genésio. benvindo nos seja, hugo, então. 1 beijo

Janelas da Alma disse...

Olá Alice,

Gostei imenso deste texto!...Fez-me sentir parte da escuridão, rodeado pelas labaredas,...ou talvez fosse apenas o negro do corvo!...

Nuno Osvaldo

MariaCareto disse...

minha querida as tuas palavras estão cada dia mais belas

D

GNM disse...

Gosto de te ler, sabes?

Deixo-te um sorriso meu.
Grande...

CHUUUAAAKK!!!

Alberto Oliveira disse...

Olhando em redor, Sara começou a perceber que estava metida num embróglio do escafandro. Com um filho na barriga, gerado no meio de intensas chamas, fruto de paixões ardentes que o fogo ajudava a consumir, sentiu-se incontornavelmente só. O cheiro a queimado recente entrava-lhe pelas narinas adentro e causava-lhe violentas náuseas. No cimo da colina negra, o que a sua vista alcançava era apenas o caos horrendo e silenciosamente lúgrebe. Chorou copiosamente porque não tinha ninguém a quem contar que nas suas entranhas se desenvolvia um ser. Ah! se estivesse ali a Adozinda, amiga de infância e confidente nas horas boas e não tanto; pegava-lhe na mão e com ela encostada ao seu ventre, perguntar-lhe-ia «Sentes? é meu!» Mas nem Adozinda estava ali, nem o bacano com quem tinha repartido a cama há dois meses atrás.

Na lado oposto da cidade desvastada havia afinal um outro sobrevivente. O Ministro da Saúde. O tal dos cortes nas maternidades. Como é que esta personagem vai influenciar o futuro de Sara e seu filho? Estariam finalmente satisfeitos os interesses do Ministro, uma vez que nem um único edifício ficou de pé? Não deixe de acompanhar esta envolvente e dramática saga de Sara.


beijos muitos.

Sofia disse...

promete esta historia!

um bj grande pra ti e bjs querida

Alberto Oliveira disse...

"... da cidade devastada.. " e não desvastada

inBluesY disse...

vocês...venho aqui docemente calmamente esfomeada, são horas de almoçar, eu sei, e fico assim satisfeita, agora já nem sei se almoce ou não...

vocês os dois são fantásticos :) obrigada

Rui disse...

Labaredas altas que nos mantém de sobreaviso sobre nós próprios.

isabel mendes ferreira disse...

excelente.




beijo.

diovvani mendonça disse...

Alice, é por essas e outras, que tem hoje, lá no poeminhas uma "homenagem" para você. Abraço,
Diovvani.

Mia disse...

Tantos inicios, tantos fins existem na nossa vida...

beijo doce querida Alice

pexeseco disse...

Boa Noite !
Já á muito tempo que nao passava por aqui (motivos de saude)
Gostei do que li!
Bejocas

BOM FIM de SEMANA

Paulo Silva disse...

Olá Alice...
Este teu texto está soberbo,divinal.
Aguardo ansioso pela continuação .
Bejos e um bom fim de semana.

Vanda disse...

tu seras sempre indisciplinada, irreverente e livre.

Por isso nãp passo sem te ler :)

por isso gosto de ti. Tanto.

e outro tanto te beijo.

O meu coracao esta quente :) a tribo esta à volta da mesa e eu so escapei para te vir ler ;)

Por fim de tarde, consegui linkar-te ; oh yeeeee ;)

isabel mendes ferreira disse...

a harpa mudou de sítio....


beijo.

Dani disse...

E de novo te vejo renascer. Quiça mais forte, quiça mais desperta. Longe parecem os tempos em que palavras tentavam magoar-te.

Como poderia alguma vez estar zangado contigo? Se as vezes nada digo, é porque às vezes nada parece ser possível dizer.

Beijos e bom fim-de-semana

AlucarD disse...

lindo!!!!!!!! :)
está tudo bem ctg linda??
beijos e bom fim-de-semana

Edilson Pantoja disse...

Querida Alice,
O novo sempre encontra no velho sua razão de ser. Também a vida é gerada da morte e vice-versa. O ciclo é eterno. Que a vida, pois, viva.
Obrigado por teu comentário no Albergue e teus bons desejos. Tem também um execelente final de semana. Recebe o forte e distante abraço de Belém!

amigona avó e a neta princesa disse...

Lindo, querida Alice! Espero a continuação...
que as tuas palavras nos continuem a deliciar... beijo...

Titania disse...

Olá Alice

O mundo tinha terminado e novo mundo tinha acabado de renascer, nova esperança se lança na vida de um ser...
É assim que vejo a vida e que sigo em frente apesar dos obstáculos :)

Gosto do que escreves, pelo realismo e força que transmite!

Beijinho

Anónimo disse...

E no novo mundo a mesma noite...

Frase de abertura deixa minha imaginação pensando em tudo... Suas palavras tem isso, deixar livre pensamento que se segue com a brisa da tarde...

Deixo um trecho de elegia do querido Drummond

"...Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer...."
[elegia 1938 - Drummond ]

:*