2006-11-30

relatório preliminar



o cadáver de hoje é um rapaz aos caracóis. suspeita de envenenamento. o antídoto é a poesia. um beijo na testa antes de abrir. sabe a chuva de novembro. cheira ao perfume de deus. tem uma nuvem escangalhada dentro da cabeça. e uma chave que abre a porta do céu. pendurada numa mola de estender a roupa. os olhos são limões com espingardas. o pescoço é um barco ao longe. os pêlos do peito são lírios ao vento. e desconfio que a pele é do fundo do mar. ver à boca de cena quantos sonhos tem nos dentes. ouvir o silêncio. a alma é o osso do coração. possível causa de morte: caixa torácica insuficiente. dada a proximidade pulmonar. o sangue veio a coalhar. leitos de rubis. um colar de beijos. nas falanges das mãos. começou a falar. não me espanta. é um génio.


*

(fotofrafia de augusto peixoto)

7 comentários:

Perola Granito disse...

Bom fim de semana ;)

isabel mendes ferreira disse...

...quase como que uma janela de água com portas para o mar...
:)

________________________aqui.



as palavras a serem ondas.


________________________


fechadas. como para encher o teu lago.

gostei. muito.


beijo.

diovvani mendonça disse...

"a alma é o osso do coração"
Brilhante pérola poética!
Abraço.

Alberto Oliveira disse...

... despiu a bata branca ensanguentada aqui e acolá, tirou as luvas e lavou as mãos enérgicamente. Enquanto as limpava, olhou uma vez mais para o corpo inerte, esbranquiçado e inapelavelmente defunto. Tinha sido a primeira vez que se defrontara na mesa de autópsias com um jovem de cabelo aos caracóis e ainda para mais com o coração cheio de palavras com poesia dentro. Tinha-as colocado num frasco grande, separadas dos outros orgãos. Deu um jeito no cabelo, avivou o baton dos lábios e saiu para a noite cinzenta e fria. Junto ao peito, apertava o frasco grande com as palavras com poesia dentro. Iria lê-las quando chegasse a casa.


beijos muitos.

Anónimo disse...

Muito bonita, essa poesia.

*

Aestranha disse...

Excelente texto e blog! Vou dar uma volta por aqui, caso não te importes!

Beijo

Sílvio Mendes disse...

Ensaguentado numa poça de mimo. Não sei, não sei, como te sorrir.