2006-08-18

único



Quando a tua mão guiou a minha
Todos os autocarros esbarraram na tua casa
E o barulho ensurdecedor da rua emudeceu nos teus lábios
E os vidros espalhados na costura da roupa
Fizeram o sangue infringir a velocidade
Já não sei o tempo que levou
O socorro a chegar-me ao céu-da-boca
Uma bomba de oxigénio a entupir-me
A respiração impossível salva devagar
Foi ainda há horas mas o meu corpo mente
Desacredita do teu por entre as grutas
Dada a improbabilidade do ângulo
Mas as pernas pesam-me nos olhos
Quis dormir para acordar do sonho
E nem as buzinas despertam o meu ser
Ouço os carros lá fora a passar
Na cadência fúlgica da tua respiração
Que nem o semáforo impediu de parar
Vejo ainda as tuas mãos possessas
Os teus olhos cada vez mais brancos
A janela a boiar nas mentiras lá fora
E a ciência é contrariada nas coxas
A matematicidade desmente esta fusão
Que dirá o teu dentista sobre isto?
Receitar-te-á um veneno paralisante?
Ou algo que impeça o torpor das veias?
Dir-te-á para comeres papas e assim poupares a boca à minha pele?
E tu, que dirás sobre isto?
Desejar-me-ás boa viagem na hora de ponta?
Pedir-me-ás que me venha depressa mas com cuidado?
Ou sugeres antes que desapareça no túnel que abriste sem retorno?
E eu, que direi sobre isto?
Direi talvez que te engoli pelas nádegas
Direi talvez que demos corda ao mundo
Que giramos quando a terra parou
Que o acidente lá em baixo é a prova do crime
Que veio a polícia em figura de bigodes fartos
Que as prostitutas entraram aqui no prédio
Que uma delas violou o teu quarto
Que me vendi pelo tédio da viagem de hoje
Que te exigi uma identificação branca
Que não me vim por reserva marcada
Que quis vir-me depois nas tuas costas
Que me rendo
Direi isso

*

(fotografia de luciolia)

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