2006-06-24

(ensaio sobre) a ruína

(fotografia de michael morris)
*
*


O meu caixão há-de ser uma árvore centenária de casco duro e veios secos. Os homens hão-de avançar na floresta quando a hora cercar os ramos do sono e derrubarão o tronco no solo com o suor das estrias a rebentar no cinto nas calças. Ouço o timbre metálico da serra a rasgar o corpo da árvore velha e sei que a respiração é uma casa onde o tempo não se demora a mergulhar. Vejo-lhes as mãos latejantes sobre a madeira e reconheço as cidades que atravessaram para chegar a este pântano de gritos. Todos se abeiram do meu rosto com espelhos e dedos transpirados para averiguar o momento em que devem começar a chorar. Sou então lágrimas e nada mais do que a representação do silêncio alheio.

Um dia hei-de ser uma máscara de dor na cara dos meus peixes. Eles hão-de nadar às voltas no aquário e lamber cada minuto da minha infância em que cresci. A minha filha há-de encostar as narinas às borbulhas líquidas que sobem sem parar pelo vidro acima e ler as histórias que elas escrevem sobre mim. Todos estarão demasiado ocupados com o sofrimento enquanto ela regista o adeus que pronunciarei na água. Pela boca dos meus peixes é que hei-de morrer. Os homens virão da floresta como quem traz um navio antigo que há-de navegar dentro do aquário. A minha filha há-de tocar a superfície do futuro e pentear os meus cabelos que crescem do outro lado. Serei livre nesse infinito do tacto em que ela benze todas as bocas que ali suspiram. Todos farão luto durante meses estipulados e o preto descerá sobre os seus gestos como noite diurna.

*

talvez continue

35 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

o sentido do surrealismo. tb nas palavras...intertexto.



diurno.

as velas ardem ate ao fim disse...

A man arrived here yesterday
Now wings are tied up with a row
You know that a rightful every little joy
And broke my very last hope

Doubt to get a [guerip] (?)
They all look like
Squashing the people
[Savering] their bloods
But you better stay at your dark out
Or you likely will get hurt

So, come come
Come morpheus
Please end my restless nights
Help me live from being on chaos
In any place that you live free from light

The small stick was a signal of this way
And there i got standing by the doors
The more i would rather hide away
Much beneath my sweet sweet scores

And underneath the god's roth
A man appears
His god a function

He is holding a lofty torch
I guess he talks about destruction

So, come come
Come morpheus
Please end my restless nights
Help me live from being on chaos
In any place that you live free from light

Come morpheus
Help me live from being on chaos
In any place that you live free from light

So, come come
Come morpheus
Please end my restless nights
Help me live from being on chaos
In any place that you live free from light

Come come
Come morpheus
Please end my restless nights
Help me live from being on chaos
In any place that you live free from light

Anónimo disse...

Palavras... Que roubam meus sentidos...
Lendo vejo uma estatua de gesso sendo moldada, esculpida em cada detalhe, cada momento um reflexão sobre a obra em sim e no fim um todo...

Lindo.


Ótima semana pra tu

:****

Verena Sánchez Doering disse...

esta hermoso y triste, con una melancolia muy grande
esto me llego al alma:
....Sou então lágrimas e nada mais do que a representação do silêncio alheio...

lagrimas...que siempre estan y representan...silencio, ausencia, soledad y mil sentimientos mas.
te doy las gracias por tus bellos saludos de hoy, aca ya el dia se acaba y deja entrar la noche y el silencio...la tristeza a veces llega y deja hablar el alma
un abrazo muy grande y que sea un lindo dia lunes, y mil sueños envueltos en arco iris para que sean de mil colores
besitos y gracias a ti por estar cerca



besos y sueños

Lord Poseidon disse...

Se morrer é ruína.
Então viver é o quê?
É gritar a plenos pulmões que estamos vivos.
Nunca me deixas de encantar com teus escritos.

Beijos de Sal

kikas disse...

Alice este texto deixou-me "estagnada", adorei o teu escrito e todas as metáforas que aqui incluiste.
Gostaria de te dar mais palavras, pena ter ficado sem elas perante as que li.
Jito apertadinho

Claudia disse...

Retira o talvez.
Continua.
Precisamos todos, preciso de continuar a ler...
Bonitas palavras as tuas.
Beijo

José Alexandre Ramos disse...

isto está muito bem escrito!

oxalá continues.

Vasco Pontes disse...

bem,alice. como dizes, uma aflição e tens que escrever. gosto dessas aflições

Misantrofiado disse...

Ecológicamente a promessa de um futuro trágico, no qual se antevê a ferrugem dos pregos assediarem a seiva...

Luna disse...

Palavras que me levam por um mundo degradado e torpe, onde o negrume cada vez se instala mais nas nossas vidas. continua
beijos

Anónimo disse...

Alice, Alice, Alice, que MARAVILHA poética menina!? Que sensibilidade para traduzir o quase intraduzivel?Esse é dos seus poemas mais belos e que meis me comoveram, (sem desmerecer os outros é claro). É por esses e outros, que faço questão da impressão; só para senti-los ali, no papel, diante de meus olhos emocionados. Você e Janaina nas mais recentes postagens, estão mesmo IMPOSSÍVEIS. Abraço FORTE,
Diovvani.

isabel mendes ferreira disse...

não continuar é que seria o LUTO!!!!!!!!!!!!

porfirio disse...

:

e eu beijarei essa árvore
vivo
ou também já árvore
com meus ramos entrelaçados
nos teus
;
tal é a força do húmus
que ostenta a poesia

bjo grande
entre o
orvalho
deste blog
imenso
!

Janelas da Alma disse...

Querida Alice,

Diz-me só o que é preciso fazer, para que continues,...
para que não deixes de continuar a escrever o que aqui começaste!...
Não me deixes assim, com esta falta de ar,
de quem saboreou mas não comeu,...
de quem tocou e sentiu, mas não o suficiente,...
de quem tem a sede das tuas palavras, mas morre assim, seco, no teu mar de textos por escrever,...
de quem tem a fome dos teus pensamentos, e espera por devorar as letras que serves num prato de histórias por contar!...
Depois disto, resta-me simplesmente tirar o chapéu, fazer-te uma vénia de respeito, e esperar que me deixes continuar a desvendar os segredos das palavras com que enches o mundo!...
Posso começar por aqui, a pintar?...

Beijos e abraços no teu coração, muitos, e com todo o carinho e respeito,

Nuno

Anónimo disse...

Bonito demais para ser comentado. Mas..."A minha filha há-de encostar as narinas às borbulhas líquidas que sobem sem parar pelo vidro acima e ler as histórias que elas escrevem sobre mim. Todos estarão demasiado ocupados com o sofrimento enquanto ela regista o adeus que pronunciarei na água."...transportou-me para aquele amor incondicional que se vive e não se lamenta!...Parabéns pela tua forma de te expressares.
Beijo

Licínia Quitério disse...

Continua, Alice. E veste o luto de branco. Talvez ele fique cego.
Um beijo no teu coração.
Licínia

Luthien Numenesse disse...

Que lindas palavras as tuas Alice, a maneira como escreves é incrivelmente cativante e inspiradora :)

Os corvos eram anteriormente brancos, não deixes as vestes negras caírem sobre ti também.

Escreve sempre :)

Beijos de Luz,

Herenya Na!

Anónimo disse...

"Paradoxo: quando o meu barco já se fazia ao largo é que avistei o teu porto!... mas ainda deu tempo de perceber a força das tuas palavras: sopro nos nós dos dedos enregelados."
Instigante texto, o teu, abrindo possibilidades infindas para quem te lê.
Deixo o meu abraço fraterno.

Vanda disse...

E sem tempo estipulado visito-te :)

a TMN decidirá que tempo me restará :))

As tuas palavras não são macula.

Nunca.

As tuas palavras são expoentes. maximos.

De canduras e diccionários que eu menina, ainda nãom possuo nos meus vocabulos.

Tu és a palavra por inventar.

Já há muito que o sabes.

Gosto de ti!

nunocavaco disse...

Palavras com muito sentido e mais uma vez, como é hábito na blogosfera, que nos deixam a pensar.

Joaquim Amândio Santos disse...

cada uma das metáforas meece a ousadia de se transformar num capítulo.

mais do que um possível prelúdio ou intenção prefacial, veijo aqui a sinopse condutora do fio a tecer...

JAS

Fragmentos Betty Martins disse...

Querida Alice

Soberbo este teu texto. Só tenho que acrescentar:

Por favor continua!

Beijo grande

Light disse...

Surreal,poetico...a vida vista de dentro para fora,a morte que um dia virá.
Excelente texto,que talvez continue...

vania ♥ disse...

belas palavras, belissimo! :)

Verena Sánchez Doering disse...

apenas lei tus mensajes, lo hice
ahora esperemos que llegue la paz
mil besitos y gracias por tu confianza


besos y sueños

poca disse...

a ruína a morte... deixo-as cá... para me chorar quem fica... do que de mim restar... na altura se verá...

Anónimo disse...

Foi um beijo...



foi um beijo onde não importava a boca
só tuas mãos quentes me apertando pelas costas
nada estava acontecendo na minha frente
e a ansiedade que havia não era pouca
teus dedos perguntavam pra minha blusa
se meu corpo acolheria um delinqüente
descoladas as línguas um instante
minha resposta saiu um tanto rouca

OneLight*® disse...

alice que amas as palavras
amam-te elas também, mesmo nessa nítida-obscura dualidade amor-ódio que é a nossa relação com as palavras e a delas connosco.
embora seja esta a primeira vez que aqui deixo palavras, muitas têm sido as vezes que aqui tenho vindo ler... e amado sempre as palavras que tenho lido.
bravo, amiga, e obrigada!
beijo

Vanda disse...

continua :))

agora.

já.


sem quebras :))

chega??????

não??? :)

sim.

beijo.

Estou de pé e à espera :)

Van

Alberto Oliveira disse...

...depois da noite diurna, a manhã que tarde se pôe continuará na senda desta primeiras letras. Nada o poderá impedir; que pela boca há-de morrer quem o tentar fazer. Sem apelo nem agravo.


beijos muitos (como são do costume)

Tat Wam Asi disse...

muito bonito..

Anónimo disse...

Análise crítica por Maria José Limeira


Depois que comecei a ler um autor incrível chamado José Saramago, começo a mudar minha concepção sobre texto literário, e até me arrisco a dizer que meus padrões de crítica literária estão ruindo. Pois esse autor, que prima pela sobrevivência da Língua Portuguesa, não obedece aos ditames da pontuação, e vai jorrando palavras como são usadas na literatura oral, umas atrás das outras, sem muitos pontos e
vírgulas ou exclamações. E, mesmo assim, consegue ser entendido!
Depois de ler “As intermitências da morte”, eis que comecei, na semana passada, a leitura de “Ensaio sobre a cegueira”, ambos desse mesmo autor, que nos diz que nada fora dito ainda, e que a Literatura Universal
começa com ele...
Em poder de persuasão e dramaticidade, lembra muito
Albert Camus. Mas... é muito melhor. Muito melhor! Pois, pois? Foi pensando no total despojamento da minha visão nova da crítica literária, a partir dos livros de Saramago, é que vejo com novos olhos esse texto “Ensaio sobre a ruína”, de Alice Sequeira (será Siqueira?), cujo título fomos pescar no final da prosa.
Trata-se de um texto “gótico”, escrito aos borbotões, sem nenhuma preocupação com a forma. Ora parece prosa. Depois, vira prosa poética. Em seguida, pretende-se
poema. Quem sabe? Foi assim que o recebi na lista literária de Ana Maria Costa (muito boa lista!), com
indicação para análise.
Tecnicamente, como organizar esse texto longo (longuíssimo!), que não escolhe gênero e, neste ponto,
não diz a que veio?
É um texto muito bonito no todo, escorregando em alguns detalhes.
Bom como criatividade e respeito às normas ortográficas.
Como disse antes, trata-se de um texto longo que poderia ser curto, quando ganharia muito mais força,
pois está recheado de metáforas tão ricas quanto inquietantes, demonstrando o talento de uma autora que conhece o gótico como ninguém.
Uma das coisas que faz esse texto se perder nos labirintos do discurso é o excesso de “há-de ser”, que o torna meloso como uma novela mexicana, quando deveria partir do inexorável do contecido, por exemplo: “O meu caixão é uma árvore centenária de casco duro e veios secos”.
A linguagem é rica, e tão rica, que é possível citar alguns trechos que soam como verdadeira Poesia:

“... com o suor das estrias a rebentar no cinto das
calças”.
“... a respiração é uma casa onde o tempo não se
demora a mergulhar”.
“...o preto descerá sobre os seus gestos como noite
diurna”.

E por aí vai.
Sou apaixonada pela literatura gótica, com suas noites e sombras, gritos lancinantes, seus personagens depressivos e o “noir” de seus cenários. Mesmo os textos mais escrachados me animam e seduzem. Tanto que, quando os leio, pouco me importam os frêmitos da crítica, pois o que mais interessa neles é a inventividade, e como nos tocam.
Bem. O que vale é que sobra criatividade no texto citado de Alice Sequeira (será Siqueira?)

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB).

Anónimo disse...

Análise crítica por José Félix


maria limeira

a sua análise prima pela introdução de concepções próprias do que é um texto literário sem ser
subserviente ao «common judge» da literatura.
foi buscar o saramago que utiliza uma linguagem escorreita apesar de a simplificar com a ausência de
pontuação, que é uma atitude moderna de colocar pausas nos textos.
outra nota de considerar é fazer ver à autora que a melhor forma de acometer o leitor é utilizar o
presente, até pela força intrínseca que a frase confere.
de qualquer forma gostei de ler o texto de Alice Sequeira, a alice mora aqui, penso, um texto carregado de surrealismo (que não houve no brasil, pois aí aconteceu a poesia concreta) onde paira o
onírico e a controvérsia do sonho.
o texto é um texto de memória, também.

josé félix

Anónimo disse...

resposta de maria josé limeira

Amigo Félix. Gostei muito da sua releitura do texto de Alice. Mas discordo que tenha alguma relação com o "surrealismo" como você diz. O texto é "muito certinho", lança mão da expectativa da Morte como
tema, a aura é de "pessimismo" com as sombras que acompanham o lamento. Concordo que tenha muito de "memória". E isto foi o que mais me agradou nele. Um abraço, e parabéns pela análise. Saludos.

Maria José Limeira.