2006-10-09

da obsessão




vens aqui. todos os dias. não te identificas. escreves insultos. fazes acusações. seleccionas as palavras. o calão é uma linguagem. uma forma de comunicar. um sintoma. o ciúme bem podia ser uma casa de parasitas. bichos gordos imovéis. presos na sua própria banha. mas não o teu. mais cego que invisual. hás-de ler esta carta. na diagonal. ou atravessada. preferia que ouvisses. escuta. és uma mulher. é tempo de vindimas. os homens pisam as uvas. debaixo dos pés. no lagar. menos o poeta. entende isto. para ele. o teu corpo é uma encosta. o teu peito uma ramada. quando lhe toca. é vento contra as folhas. da tua pele. e em cada cacho. dos teus seios. arredonda as formas. pisa as uvas. debaixo das mãos. debaixo da boca. bebe o vinho. ainda quente. ainda doce. fica tonto. embriagado. quando chega ao lagar. só pensa em morrer. só pensa em matar. quando o vinho fermenta. no meio das pernas dele. no meio das tuas pernas. já não pensa. sobe sobe sobe. pelas vinhas acima. até arrancar as folhas. até sangrar os cachos. as uvas todas. numa só colheita. numa só semente. para reproduzir as videiras. tudo o que lhe importa. é o mata bicho. e ser um grande escritor.


*

(quadro de artur boal)

13 comentários:

Misantrofiado disse...

As palavras são exímias... a mensagem é fulminate.
Pena é a razão de tais palavras, que independentemente da mesma, tu Alice, continuas a amar palavras.

Nuno Vieira disse...

gostei da curva no meio do texto.

tomei a liberdade de te linkar no meu blog, para aqui voltar a amar as palavras.

¦☆¦Jøhη¦☆¦ disse...

Olá, uma boa noite para ti :)

Palavras que creio eu dificilmente serão compreendidas por alguem que provavelmente nem um esforço fará para as compreender... "hás-de ler esta carta. Na diagonal. Ou atravessada. Preferia que ouvisses. Escuta. És uma mulher..." gostei de ler toda a forma simbólica que se segue. Profundo.

Um beijinho, João

Alberto Oliveira disse...

Berta sabia que a carta lhe era endereçada e hesitou em lê-la de fio a pavio que o dia tmbém não era dos melhores para a ler na diagonal que atravessada já era ela. Mas a curiosidade foi maior; leu-a na íntegra. E ficou a saber que o seu corpo era uma encosta, os seios cachos e que em tempo de vindimas deliciosos néctares lhe haveriam de escorrer por entre pernas. Porque não entendeu a linguagem da carta-poema, saiu e atirou-se da ponte próxima donde vivia. Isto foi há três anos. Ainda hoje, no local onde caiu para não mais ser vista, há um breve odor a vinho vindo das águas...


beijos muitos.

francisco carvalho disse...

Que força tem este texto!
Mas belo, acima de tudo.

beijos.

Vanda disse...

Nos cestos da vindima, as tuas palavras fermentam néctares.

Um dia será Setembro :)


Beijo de bom dia,

Van

paulo disse...

Passei só em socalco, saio filóxera, vou-me deixar engarrafar numa cave negra e fazer força, muita força para sair de lá vintage. Sempre pensei se o vinho tinha pé não seria um resto de agricultor; não devia ser. Mas gosto de te beber, de qualquer modo. Adeus cálice.

Isabel disse...

Adorei Alice,
Vim aqui a acelerado voo, com a minha alma veloz e livre como ela anda, e záz tráz páz cai estatelada no chão. Estou estarrecida... sabes o que mais admiro na escrita?
A capacidade de perturbar.
Só consegue perturbar leitores exigentes e algo experientes como eu quando tem a força de vir de dentro.
Tu escreves com uma força tremenda, avassaladora que te vem de dentro e que não amaina na descoberta da palavra...solta-se e mata.
Eu estou mortalmente perturbada... obrigada por isso... sabe bem...
faz-me sentir viva.
Já repus as asas e vou voar mais alto com o teu impulso.
Um abraço de asas.

Até já querida alice,

Isabel

inBluesY disse...

é, amiga
é desta força que eu gosto em ti, ao ler...

é outono de facto, acho que nunca tinha lido uma vindima chocante, confesso estou embriagada !

Rui disse...

Permite-me um comentário diverso do habitual. Tive a sorte de, algumas vezes, partilhar o mesmo espaço que o Bual. Bebia-se copos e falava-se das coisas - falavam eles que eu só ouvia.
Saudades dele. Mas está aí a obra.

A disse...

:)

Muito bom. Grande resposta. É assim... e não pode ser de outra forma.

Hoje reservei-me aos blogs que dão-me realmente gozo ler :) aos que escrevem muito. Aos que escrevem bem.

Mil beijos Alice

Anónimo disse...

:)

Posso brincar contigo? posso claro.

És uma masoquista literária, quando te tratam mal escreves melhor.

Quanto à última frase do texto vindimado: ser um grande escritor, é um escritor quem pode, não quem quer.

Bjs :)

Anónimo disse...

Alice, minha querida, Li a carta e todos os comentario e adorei tudo e acho que devias continuar a escrever , devias usar a tua raiva como observava alguem."És uma masoquista literária, quando te tratam mal escreves melhor."
Continua menina aproveita esta loucura, esta tua veia de artista....... malha enquanto esta quente. Ja agora produz nao te destruas .Beijocas da Isabel da Australia.